Contrato limpinho, limpinho, no Parque das Ribeiras do Uíma
Opinião

Contrato limpinho, limpinho, no Parque das Ribeiras do Uíma

O esbanjo de dinheiros públicos assume muitas e variadas formas. Neste caso vem arvorado de uma música cheia de arpejos, com intuito de nos fazer dançar.

O anúncio do procedimento de aquisição designado por “Limpeza Urbana no Parque das Ribeiras do Uíma, da Divisão de Ambiente e Serviços Urbanos ao Pelouro do Ambiente, Jardins, Espaços Verdes, Paisagem Urbana e Desporto, justifica assim a “encomenda” de preservação e manutenção deste espaço natural de grande utilização por parte da população e de grande importância ao nível da biodiversidade ribeirinha pelas características singulares dos seus habitats, exindo por isso, um serviço de limpeza e manutenção das zonas pedonais e das margens do rio, mantendo-as nas melhores condições de salubridade e higiene, livre de resíduos sólidos. Assim, propõe-se a contratação de um serviço especializado para a prestação deste serviço, partindo do pressuposto que o Município não possui recursos próprios disponíveis, humanos ou materiais, para a realização dos serviços. Até aqui, aparentemente, tudo bem.

O preço base previsto é de 76.000,00 € mais IVA à taxa legal em vigor. O preço foi obtido, dizem os técnicos, através de consulta preliminar informal ao mercado. O prazo do contrato é de 12 meses, com pagamento a 60 dias.

Para parecer mais bem gasta a maquia, num percurso de 2,5 km entre a Tabuaça e a Rua do Rio Uíma e acessos no lado de Fiães, a Divisão da Contratação Pública e Gestão de Armazéns informa o Pelouro de Administração, Finanças e Modernização Administrativa que por sua vez dá o seu parecer positivo ao esbanjo, juntando mais uns arpejos na música com que nos querem fazer bailar. A menina dança? Vamos então ao baile:

– “Considerando o carácter pontual” que nunca foi referido anteriormente e que desde logo esbarra numa pontualidade prevista durante 365 dias, sendo a preservação e manutenção invocadas, pressupostos de caracter permanente, tal como o decurso da natureza e da acção humana no local.

– “a elevada especificidade e complexidade técnica dos serviços necessários” e aqui cheguei a temer o pior, que tipo de serviço de salubridade, higiene e resíduos sólidos estaríamos a falar? Despejos radioactivos? Lixo químico? Ok. Já lá vi restos e embalagens de fast food mas não creio que seja caso para tanto. Utilização de alguma máquina especial? Algum drone especialista em limpeza e descontaminação?

– “Considera-se que o Município não dispõe de meios humanos/ técnicos habilitados disponíveis e suficientes”, “não existem recursos humanos, no quadro pessoal do Município, habilitados e adequados para o efeito” pois não admira, a tarefa em questão parece ser comparável aos 12 trabalhos de Hércules.

Chegados aqui, pergunta o leitor, então qual será a elevada especialidade e complexidade técnica dos serviços que justifiquem tal demanda? A saber:

Recolhas de resíduos sólidos depositados nas 20 papeleiras e substituição dos sacos (10 no percurso da Tabuaça até á estrada nacional – parque de manutenção) e 10 no percurso entre os parques de estacionamento da estrada nacional a Rua do Rio Uíma), um trabalho de elevada especialidade e complexidade técnica. De notar que o município prevê que seja a empresa a substituir os sacos do lixo. Valha-nos isso, poupa-se assim mais um concurso para aquisição, não vá o diabo tecê-las.

Recolha de resíduos sólidos em toda a área de intervenção, desde que visíveis do passadiço e desde que as condições do terreno o permitam. Mais um trabalho de elevada especialidade e complexidade técnica, até onde a vista alcança. O resto pode ficar “debaixo do tapete” pois é só para “encher as vistas”. Se a altura da água for superior á altura das galochas, ou o terreno for pantanoso também fica lá?

A periodicidade destes trabalhos é um elemento importante na avaliação do custo deste serviço de elevada especialidade e complexidade técnica já descrito. Então, levemos em consideração que a recolha de resíduos depositados nas papeleiras e zona envolvente dos passadiços, será feita 3 vezes /semana. Como Fiães tem uma Junta de Freguesia com elevada especialidade e complexidade técnica, já assegura esta limpeza 2 vezes por semana sem qualquer custo adicional para o orçamento municipal. E este é de facto o trabalho com maior custo no contrato, já que se trata de um serviço de manutenção permanente. Não faria mais sentido reforçar a verba à Junta de Freguesia? A Câmara transfere para a limpeza de valetas de toda a freguesia de Fiães, utilizando o referencial de um cantoneiro por 10 quilómetros, ou seja, 705,00 x 14 o que perfaz 9.870,00 euros por cada 10 quilómetros. Aplicado a este contrato seria ¼ da despesa, uma vez que estamos a falar de 2,5 quilómetros, ou seja, 2.467,50 euros, bem diferente de 76.000,00 euros, que nestas contas daria para 77 quilómetros, ou seja 7,7 cantoneiros. A Câmara invoca uma consulta informal ao mercado, para justificar o preço, sim, deve ter sido do tipo “olha pá, tenho aqui um excelente negócio”. Pudera, quando faz as contas para transferir para as juntas paga quase 2.500 euros, mas para um privado está disposta a pagar 76.000 euros. É o mercado a funcionar na teta do Estado. A título de informação, a parte dos passadiços de Lobão foram recentemente limpos numa acção de “ploggin”, a custo zero, envolve-se a comunidade e desenvolve-se a consciência ambiental.

Remoção das folhas depositadas nas zonas de circulação, nomeadamente passadiço, percursos, parques de estacionamento e parque de manutenção, utilizando um soprador. Aqui, a elevada especialidade e complexidade técnica consiste em mudar as folhas de sítio, com o soprador e claro, transportar e manusear o respectivo aparelho e uso de viseira. No passadiço, as folhas sopradas ficam no solo adjacente, creio, porque assim se cumpre o ciclo natural de enriquecer o solo através da matéria orgânica (aqui não foi ironia). Este serviço será efectuado sempre que necessário e atendendo ao ciclo natural, soprar folhas é no outono e basta visitar os passadiços para verificar que estão livres de folhas (pontualmente existem alguns metros com “algodão das árvores” fruto da primavera e propagação das sementes). E sim, devem ser limpos antes da chuva para evitar ficarem colados e tornar o piso mais escorregadio e perigoso. O vento é sempre uma ajuda preciosa e disse-me alguém entendido, aí umas duas vezes por ano.

Corte de vegetação herbácea nos dois parques de estacionamento, incluindo canteiros. A altura das ervas nunca deve ser superior a 7 cm. E quiçá, será neste trabalho que reside a maior elevada especialidade e complexidade técnica. Em primeiro lugar, na zona de circulação automóvel e de estacionamento, consequência do pisoteio dos pneus, estes impedem que as ervas cresçam, sendo visível o crescimento junto às guias onde os pneus não chegam a pisar as ervas. Já nos “canteiros” ou espaços adjacentes aos parques de estacionamento, lembrar que estamos num espaço de natureza e não num jardim, onde as ervas podem e devem crescer naturalmente. Sempre que necessário, ou quase nunca. Uma simples visita ao local o comprova.

Reporte de anomalias detectadas, sempre que necessário, como árvores caídas a obstruírem a passagem, tábuas partidas e/ou danificadas, equipamento danificado, placas/ sinalética danificada e descargas ilegais no rio e margens. Aqui, a elevada especialidade e complexidade técnica deverá prender-se com a georreferenciação do local da ocorrência, como se estivesse-mos num local recôndito e sem qualquer ponto de referência e fosse necessária. Essa tarefa já é feita pelos utilizadores fianenses que não se cansam de assinalar as anomalias, quer á Junta quer aos ouvidos moucos da Câmara. Caso seja necessário os nossos telemóveis também estão equipados de GPS. Engraçado que num município que diz que vão fazer robots nas escolas, não tenha uma aplicação, há-as para tudo e esta já existe, que nos permita fazer esse trabalho de forma gratuita. Posso fazê-lo de bom grado no próximo passeio. E grátis.   

Dizia o nosso Presidente da Câmara, na sessão solene de Fiães elevação a cidade, que Fiães era conhecida pela terra da letra e assim é, gastei umas 1.400 palavras para dizer que a Câmara, em boa verdade, se dispõe a pagar a um privado 76.000 euros para limpar o lixo de 20 caixotes, 3 vezes por semana durante um ano. Serviço que já é assegurado 2 vezes por semana pela Junta de freguesia e se quisesse compensar a Junta de Freguesia de Fiães pelos serviços, custar-nos-ia mais 2.500 euros. O resto, como o descrevi, é letra.

E por falar em dançar, ouvi dizer que os vereadores do Partido Socialista votaram favoravelmente esta proposta, estavam nos passadiços, mas não viram o rio…

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José Manuel Barros
COLUNISTA
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