O 25 de Abril num dia da minha infância
50 Anos do 25 de Abril

O 25 de Abril num dia da minha infância

Desafiado por este jornal a escrever umas linhas sobre as minhas memórias do dia 25 de Abril de 1974, elas não são assim tantas para um miúdo que nesse mesmo dia estava na véspera do seu oitavo aniversário e que frequentava a Segunda Classe na Escola Primária do Montinho, mas mesmo assim são algumas as memórias.

Era uma quinta-feira, dia de trabalho e de escola na pacata Vila da Feira de 1974, em que quase tudo estava concentrado no centro da vila. As primeiras notícias da Revolução foram transmitidas ao meu pai logo pela manhã pelo Sr. José Homem, antigo funcionário da Câmara Municipal, que passava diariamente pela nossa loja da Singer e que falava habitualmente com o meu pai. Diz a minha mãe também que foi à Casa Plácido nessa manhã fazer compras e que quando chegou o meu pai já estava a ouvir a rádio para obter notícias. Eu estaria por certo na sala de aula, lecionada pelo professor Farias, mas não tenho nenhuma memória dessa manhã.

Pela tarde sim, lembro-me que já se falava da Revolução e as pessoas mais próximas denotavam alguma preocupação pela escassez de informações concretas. Eu estava em casa dos meus avós muito concentrado e entretido na confeção do bolo do meu aniversário. Entretanto, o meu pai saíra para o antigo Café Moderno, em frente ao Convento, para saber mais novidades. Como demorou bastante tempo lembro-me da minha mãe, preocupada, me ter dito para ir para a janela para ver se avistava o meu pai a vir para casa. Lembro-me perfeitamente de ter ficado um longo tempo a olhar fixamente “lá para baixo” para ver se o meu pai regressava. E regressou claro. Tinha muita gente no Café Moderno a trocar impressões e ansiosa por notícias. Daí a demora. A programação normal da RTP tinha sido interrompida e apenas ao final da tarde foram finalmente transmitidas as notícias dos acontecimentos.

Uns dias mais tarde, no 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, lembro-me da manifestação enorme que se realizou em frente à Câmara Municipal da Feira, como aconteceu em todo o país.

Só alguns anos mais tarde compreendi o filme dos acontecimentos desse dia 25 de Abril de 1974, dia da Liberdade e da Revolução dos Cravos assim resumidos: o primeiro sinal foi ainda na véspera à noite, nos Emissores Associados de Lisboa, com a canção “E Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho; mais tarde, já depois da meia-noite, a senha emitida na Rádio Renascença com o tema “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso a confirmar o arranque da Revolução. O Movimento das Forças Armadas estava em marcha; pouco depois das três horas da madrugada, na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, o capitão Salgueiro Maia reunia na parada 240 jovens militares, muitos deles ainda em instrução e comandou a coluna militar em direção a Lisboa; à entrada da capital, a mesma coluna parou num sinal vermelho, mas às seis horas da manhã já ocupava o Terreiro do Paço no centro da cidade; a população entretanto aderia em massa à Revolução e invadia as ruas de Lisboa, nomeadamente no Largo do Carmo; foram diversos os momentos de tensão em Lisboa entre as duas fações militares, as afetas à Revolução e as fiéis ao regime, nomeadamente na Rua do Arsenal e na Avenida Ribeira das Naus; por volta das quinze horas Salgueiro Maia solicita a rendição de Marcelo Caetano; finalmente por volta das dezoito horas, o triunfo das forças militares afetas à Revolução com a rendição de Marcelo Caetano no Quartel do Carmo, com a transmissão de poderes para o general António de Spínola; por volta das vinte horas o Rádio Clube Português emitia a proclamação do Movimento das Forças Armadas.

Chegava assim ao fim 48 anos de ditadura e consequentemente seria o final da guerra colonial.

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