O croissant da burguesia vs carcaça seca do povo
Opinião

O croissant da burguesia vs carcaça seca do povo

Quem, como eu, nasceu no século passado e ainda a tempo de lhe conhecer a parte inferior e mais profunda das entranhas da política, hoje, vivido meio século de mudança de paradigma, arregala o olho livre da emancipação, faz as suas contas e constata que o tal apregoado mundo evoluído e cheio de novidades, de paz, educação, segurança, saúde e habitação, está longe e continua por descobrir.

É claro que a situação do país é hoje muitíssimo melhor do que a de há 50 anos. Não há comparação possível e ninguém terá dúvidas sobre isso. Vive-se em liberdade, não há dinheiro que a pague e a democracia é o regime, mas esta, se fosse possível demonstrá-la através de uma operação matemática, seria de resultado complicado. Duas expressões algébricas, dum lado da equação as conquistas e do outro, as frustrações, tantas e com tais ‘incógnitas’ que tornariam muito difícil defini-lo.

O cérebro humano, tal como outrora quando descobriu o caminho marítimo para a Índia, também agora, neste maravilhoso mundo do faz de conta, operou esse grande milagre de encontrar o clássico percurso do bem-estar generalizado, consubstanciado no apregoado paraíso do mundo moderno: o do faz de conta, para o pobre, para que fique mais pobre e o da salvação, para o rico, para que fique cada vez mais rico!

 E se pouco me importa o que se vai passando para lá das nossas fronteiras, onde, mais ou menos em todo o lado, vai prevalecendo o campo do bom senso e da inteligência, o mesmo não sucede com tudo o que vai cá por dentro, a que vulgarmente se pode chamar desastre de efeitos continuados. E o que por cá acontece, desde o Abril da liberdade e da esperança, à boleia de uma revolução que, segundo algumas teorias, até nem tinha objectivo tão nobre, foi e continua a ser um chorrilho de asneiras, umas para corrigir as outras, mas, todas, sempre piores que as anteriores. E no turbilhão deste percurso, na corda bamba do desequilíbrio, mora a tal sociedade média que, ferida pelas agruras da política do faz de conta, cresce para baixo, sugada pela melancolia da sobrevivência, 

Com salários de miséria, Portugal defronta um custo de vida ao nível dos poderosos países da zona euro, sendo que este resultado advém do “profícuo” trabalho político, ao longo de meio século de actividade, representado por 50 anos de (in)competência política, com o produto a ser, de quatro em quatro, apregoado e “vendido” ao velho estilo da banha da cobra. Promete-se o que nunca se pode ou tem intenção de cumprir e manipula-se a opinião pública com palavreado já velho e esgotado, mantendo o dissimulado propósito de “enganar o parceiro”, identificado por “comprador”, que vai caindo no engodo. Uns, cada vez menos, de bandeirinhas nas mãos, a pagar o preço do produto, suportado na base do “engana-me que eu gosto”, outros, porque conhecem de ginjeira o truque, voltam-lhe as costas, excluem-se voluntariamente do processo e batem recordes de abstencionismo, num desprezo que ronda, já, quase os 50%.

 Passam os anos, vai-se a vida e esgotam-se duas gerações, enquanto os políticos portugueses, do alto do seu discurso de feirante, o que de melhor sabem fazer é zelar, mais pelos próprios interesses e suas posições partidárias, que pelos do país e de quem nele vive e sobrevive. E quem nele sobrevive representa uma significativa percentagem da população activa, de reformados e pensionistas, colocados nos limites da sobrevivência, devido aos baixos salários que se praticam. Essa imensa multidão que é vítima da política do faz de conta, que “democratiza o prejuízo e privatiza o lucro”. Há um Portugal, enorme, que sobrevive e outro, num recanto, que o segue de vento em popa. E é ao serviço deste enorme interesse de manter o “status quo”, que o país, pelas mãos dos políticos e dessa espertíssima e (in)dependente comunicação social, que lhes dá guarida, que regressamos, mais depressa do que era suposto, à estratégia do pregão do faz de conta.

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Domingos Oliveira
COLUNISTA
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