VAR “foi um grande passo para melhorar o futebol”
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VAR “foi um grande passo para melhorar o futebol”

Foi recentemente promovido à categoria de árbitro internacional. Já esperava?

Quando a época começou, sabia que havia uma vaga e que poderia ser um dos escolhidos. Era a minha última possibilidade de ser internacional, tinha de mostrar ao Conselho de Arbitragem, aos meus superiores, que era uma opção válida. A única maneira de o fazer é estar bem no campo, fazendo boas arbitragens e sendo aceite pelos jogadores. Erros acontecem, mas os jogos têm de ser bem arbitrados. Foi esse o meu objetivo: arbitrar bem. Estou muito contente.

Como foi, para os árbitros, a introdução do VAR no futebol?

Foi um grande passo para melhorar o futebol. Agora, se me precipitar em alguma decisão ou não analisar bem, posso ter a oportunidade de voltar atrás, para não cometer um erro grave que prejudique um clube. Isso traz aos árbitros mais calma e segurança. As decisões são muito rápidas e não queremos entregar um título a um clube ou que algum desça de divisão por uma decisão errada. É o pior que pode acontecer. O VAR veio ajudar.

Ajuda a reduzir as decisões erradas, que prejudicam também os próprios árbitros nas suas avaliações.

Num jogo em que não precise do VAR, a minha classificação vai ser superior do que num em que o VAR tenha intervenção. Se houve intervenção é porque falhei e a minha nota não é tão boa. Arbitramos 1.ª e 2.ª Ligas e imagina arbitrar um clube da 1.ª e tenho uma decisão errada que faz com que desça de divisão; quando os for arbitrar na 2.ª como é que me vou sentir? Que prejudiquei toda aquela gente, o que não é bom, não me faz sentir bem. As pessoas até sabem que não fiz por mal, mas posso ter sido responsável por uma descida de divisão. Nenhum árbitro quer ter esse peso.

Como é a rotina de um árbitro profissional?

Temos um polo profissional na Maia e outro em Odivelas e três treinos por semana. Às segundas-feiras, pelas nove horas, temos formação até às 10h30 e treino às 11h, que termina por volta das 13h. Às terças, trabalhamos individualmente e faço ginásio de manhã. Às quartas, sessão conjunta com todos os árbitros, para a mensagem passar a todos da mesma forma, sobre variados assuntos, e ainda treino conjunto. Passamos o dia juntos. Às quintas, igual às segundas. Entretanto, começam os jogos.

É compatível com outra atividade profissional?

Só estou na arbitragem.

Fez formação académica?

Sou licenciado em Ciências do Desporto, comecei na FADEUP e terminei no ISMAI.

E exerceu?

Não. Tirei a minha especialidade em futebol e depois fui para árbitro. O meu objetivo até era trabalhar num clube, mas com a entrada na arbitragem, nunca exerci.

O que se imaginava a fazer num clube?

Ser preparador-físico, por aí… no estágio, treinei uma equipa de Paramos, de sub-9. Ou até ser treinador, mas rapidamente passou essa vontade.

Um jogador tem referências, um árbitro também. Quais as suas?

Cada um tem a sua maneira para chegar ao sucesso, o seu estilo e há parâmetros que se adequam a cada um. Não gosto da expressão ‘nem se deu pelo árbitro’. Gosto que se dê pelo árbitro nos momentos certos. Há momentos em que temos de ser discretos e outros em que temos de ser fortes. Sempre gostei de árbitros fortes, não espalhafatosos, como o [Pierluigi] Colina, que é referência para toda a gente, o [Szymon] Marciniak, que veio ‘recuperar’ a onda dos árbitros dos anos 90, com personalidades fortes, e o Markus Merk. Em Portugal, Jorge Sousa e Olegário Benquerença. Os outros ainda estão no ativo.

Que conselhos deixa aos jovens que estão a enveredar pela arbitragem?

Em primeiro lugar, que experimentem depois de tirarem o curso. Há muitos que tiram o curso e que nunca vão para o campo. Por vezes, também porque as associações não dão o suporte necessário. Um jovem de 15 anos tira o curso e precisa de uma equipa. Não tem carro e se têm de ser os pais a levá-lo, fica complicado. Há que encaminhá-los de uma melhor forma, integrando-os em equipas com outros árbitros jovens, mas mais velhos; árbitros que tenham objetivos, que queiram chegar longe, para que o ambiente de equipa arraste os mais novos a quererem também. E depois, que saibam que num dia podem estar a arbitrar a Ovarense ao frio e à chuva e passados mil jogos, ou bem mais, estarem na Liga dos Campões. Tudo é um processo, ninguém está hoje no distrital e amanhã na Liga dos Campões, mas todos esses anos têm muitas recompensas, que a cada degrau vão aumentando.

Continua a acompanhar o futebol em Aveiro?

Não é difícil. Ouço as pessoas dizerem que não veem futebol português, só Liga Inglesa… também gosto de ver a Liga Inglesa, mas sou árbitro e pode estar a dar um City-Arsenal e estou a ver um jogo da Segunda Liga portuguesa, porque para a semana posso estar a apitá-los e já é uma maneira de estar a trabalhar. Acompanho o futebol das categorias inferiores até porque tornou-se muito mais fácil. A AFA TV é uma ferramenta fantástica de transmissão de jogos.

Houvesse a AFA TV na sua altura, seria bem mais fácil preparar os jogos…

Ainda cheguei a apanhar o início. Os árbitros agora sabem que têm de dar tudo, tudo mesmo, que nada passa. Não há nada que não se vá ver. E quando temos acesso a essa ferramenta, faz-nos evoluir. Quando arbitrava jogos em que não tinha câmaras, marcava um penálti, era contestado e na minha cabeça tinha mais certezas que tinha acertado do que tinha falhado. Vi o lance no campo, tive as minhas sensações e foi isso que me levou a assinalar penálti. Não havia imagens, ou seja, não havia algo que fosse contrariar o que estava a pensar. Agora, com os vídeos, consigo perceber se acertei ou não acertei e, principalmente, o processo que me fez acertar ou falhar: se estava bem posicionado, se soube ler o jogo… é uma ferramenta espetacular para os árbitros evoluírem.

Naturalmente, como as equipas reveem os jogos para analisarem os erros cometidos, os árbitros também.

Sempre. Fazemos isso semanalmente na Maia. A arbitragem tem algo específico: só treinamos no jogo, não temos hipótese de treinar de outra forma, ou são muito limitadas. Tudo o que possamos inventar, como treinos técnicos, fica muito longe do que é o jogo. Só mesmo a arbitrar é que conseguimos. Treinamos em competição.

Há confronto, no bom sentido, entre os árbitros e os seus superiores, para corrigirem erros?

Acontece e ainda bem. É o que faz evoluir. Estamos rodeados de ex-árbitros, internacionais, que só têm a acrescentar. Ainda há pouco estive num curso no Chipre e tive com o Björn Kuipers, Roberto Rosetti e Carlos Velasco e só temos a aprender com eles. Dão-nos indicações de como agirmos melhor em diversas situações. Há uma diferença entre nós e os jogadores: é que o treinador consegue corrigir os jogadores durante o jogo, nós não temos alguém que possa corrigir-nos durante o jogo; só depois. Muitas vezes, os assistentes, se um está mais livre – quando se joga praticamente só num meio-campo –, consegue ter alguma noção e dar-nos uma ou outra dica.

Em Portugal, o quarto árbitro até poderia fazer esse papel, mas está demasiado ocupado a mandar os elementos dos bancos sentarem-se…

É verdade.

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Marcelo Brito
JORNALISTA | Curioso assíduo, leitor obsessivo, escritor feroz e editor cuidadoso, um amante do desporto em geral e do futebol em particular.
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