Os ‘aparelhos partidários’ são um veneno para a democracia quando funcionam como sindicatos de voto
Opinião

Os ‘aparelhos partidários’ são um veneno para a democracia quando funcionam como sindicatos de voto

Durante o século XX, os modelos sociais, económicos e culturais, seguidos nas sociedades ocidentais, sofreram radicais transformações no campo político. No período antecedente, o povo preocupava-se fundamental com a sua subsistência no dia a dia. Com o desenvolvimento tecnológico entretanto ocorrido, fruto da “Revolução Industrial”, surgiu uma classe média mais escolarizada, mais culta, cujas preocupações dominantes passaram a ser outras, nomeadamente centradas na qualidade de vida dos cidadãos. O surgimento do crescimento económico, resultou graças ao desenvolvimento industrial da mecanização e automatização dos meios de produção. As transformações sociais havidas, graças ao crescimento económico, fez emergir novos regimes políticos retratados através de partidos democráticos, suportados em democracias representativas.

Chegados ao século XXI, sob o efeito de novas transformações entretanto ocorridas nas sociedades ocidentais, os partidos políticos de hoje, “ditam à sua maneira o regime democrático”. Porém, torna-se evidente que foram ultrapassados, tornando-se obsoletos perante as exigências de participação político-partidária e da cidadania dos dias de hoje, porque persistem num sistema de conflito de interesses, (decidem em causa própria, a sua sobrevivência)

Este modelo organizativo dos partidos políticos “ditos tradicionais”, está em iminente falência! Falo do partido em que milito há cerca de 50 anos, o Partido Socialista (PS). Esta falência, manifesta-se de várias formas, pois são redutores na participação política dos cidadãos, inclusive reduzem o exercício democrático dos militantes apenas para votar na escolha dos seus dirigentes concelhios, distritais ou nacionais. É manifesta a reduzida participação social, refletida no desinteresse pelas questões públicas numa apatia política generalizada. Não se trata de uma simples opinião pessoal, mas sim de factos indesmentíveis, com reflexos profundos e perniciosos na qualidade da nossa democracia. Dando um exemplo concreto, no nosso concelho contata-se que estão inscritos nos cadernos eleitorais cerca de 1000 militantes no PS. Todavia, em exercício de funções ou exercício de actividades politico-partidárias, serão no máximo, duas a três dezenas de militantes. Obviamente, que não excluímos o partido que lidera os destinos do nosso concelho, o PSD, cuja situação é semelhante. Aliás, os exponenciais interesses instalados, no seu aparelho tem mais tropas militantes e se assim vai vencendo sucessivamente as batalhas eleitorais no concelho.

Chegados aqui, é preciso assumir esta realidade, promovendo a participação política, proporcionando condições para o exercício da cidadania. Esta é uma mudança que deve emergir do próprio PS, o maior partido português, que, pela sua história, tem a responsabilidade acrescida de fortalecer a relação democrática entre o poder público e a sociedade, através de políticas que respondam às aspirações e necessidades da população. Recorde-se o debate interno ocorrido no PS há alguns anos que, permitiu que António Costa fosse eleito Secretário-Geral, de através de eleições primárias abertas, com a democratização do partido, que se abriu à sociedade. Estas boas práticas de eleições primárias abertas a militantes e simpatizantes (ainda que estes últimos não sejam elegíveis para órgãos internos) devem ser retomadas internamente, porque esse é o caminho que reaproxima o PS da sociedade. É preciso escolher os representantes que melhor sirvam a vontade dos cidadãos e menos a vontade das cúpulas do partido. Urge devolver o PS aos portugueses. O PS, fiel ao seu ADN, o socialismo democrático, deve começar por democratizar a “sua casa”, assumindo a caducidade do modelo organizativo que é seguido no PS. Os, regimentos internos que definem a relação do partido com os seus militantes, simpatizantes e a sociedade em geral, devem ser revistos. O PS não pode ficar refém de modelos de organização partidária criados no século passado, para responder aos desafios que a situação política do nosso país exige.

Estando em plena disputa interna para escolher o futuro Secretário-Geral, o PS está fechado, com a maioria dos seus militantes subordinados a “estranhos grupos de interesses” que desvirtuam os actos de escolha dos seus dirigentes, ferindo de morte a democracia. Muitas dessas estruturas do partido, não têm vida política, funcionando como autênticos arsenais, recheados de espingardas para ganhar eleições internas! Só abrem quando há eleições para dirigentes do partido. Estas práticas que só servem para descredibilizar a democracia. Não é por acaso que em Portugal, crescem ditos “novos partidos”, com modelos de organização mais atrativos, suportados em teorias da conspiração, populistas, espalhando o medo e o ódio, “ameaçando a democracia”! Com todo o realismo, o regresso dos saudosistas começa a ser preocupante!

Concluindo, a nossa democracia representativa, será tanto melhor, quanto mais democráticos forem os partidos políticos.  Mas é preciso agir e acabar com muitas estruturas que existem só para funcionar como sindicatos e voto!

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António Cardoso

Antonio Cardoso
COLUNISTA
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