Inovar e os Centros de Referência
Artigos por Jornalista Opinião

Inovar e os Centros de Referência

Paulo Gonçalves

Presidente executivo da RD-Portugal, União das Associações de Doenças Raras de Portugal

O que é inovar?

Inovar é idiotice que acrescenta valor, inovar é fazer o que não foi feito antes, mas que traga valor para a sociedade. Por exemplo, saltar de uma determinada ponte com um parapente, poderá ser novo, por nunca ter sido feito, mas traz valor? Acrescenta alguma coisa para a sociedade? Provavelmente não.

Então é simplesmente idiota no sentido de ser uma ideia nova (e apenas esta) sem valor acrescentado.

E fazer uma reflexão sobre Centros de Referência em Portugal, será inovar?

Depende apenas se desta reflexão surgir algo de novo, relevante para a sociedade portuguesa.

Centro de Referência é, de acordo com a Direção Geral da Saúde, “qualquer serviço, departamento ou unidade de saúde, reconhecido como o expoente mais elevado de competências na prestação de cuidados de saúde de elevada qualidade em situações clínicas que exigem uma concentração de recursos técnicos e tecnológicos altamente diferenciados, de conhecimento e experiência, devido à baixa prevalência da doença, à complexidade no seu diagnóstico ou tratamento e/ou aos custos elevados da mesma, sendo capaz de conduzir formação pós-graduada e investigação científica nas respetivas áreas médicas”.

A legislação portuguesa foi criada pela transposição da diretiva europeia 2011/24/UE relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, consagrando ao Ministério da Saúde “a competência de identificar, aprovar e reconhecer oficialmente os Centros de Referência nacionais, designadamente para diagnóstico e tratamento de doenças raras, assim como promover a participação e integração de Centros de Referência nacionais que voluntariamente pretendessem integrar as Redes Europeias de Referência”.

Ora, como em muitas outras situações, a legislação existe, tem excelentes princípios e inegáveis objetivos. Mas depois descemos à realidade e à sua aplicabilidade. Que fique claro, não coloco em causa a integridade de qualquer profissional ou grupo de profissionais. Refiro-me apenas à acessibilidade do cidadão a estes recursos, ao seu conhecimento ou à navegação no sistema.

A RD-Portugal, para quem não conhece, nasceu em maio de 2021 com o objetivo de congregar e representar as famílias afetadas por doenças raras em Portugal, numa organização-chapéu do tipo de Federação. À data de hoje integra 42 associações de doenças, mais de 300 doenças raras, mas apenas alguns milhares das 600 a 800 mil pessoas estimadas com doença rara em Portugal (dados da DGS). Em 2022, convidámos um conjunto de personalidades, especialistas na área, a integrar um Conselho Científico, que conta com 36 membros, entre médicos, farmacêuticos, investigadores, cientistas de dados ou juristas. Vamos realizar um encontro destes especialistas com os especialistas in personam, ou seja representantes das nossas associadas e, um conjunto de personalidades na saúde para, num modelo aparentemente informal denominado World Café, debatermos os Centros de Referência para Doenças Raras em Portugal e a relação com as Redes Europeias de Referência para as Doenças Raras.

Pretendemos que deste encontro saia um documento com respostas a questões como “qual o modelo que temos, que queremos e porquê”, “como poderemos caminhar para ele, com quem e para quem”, “quais os resultados que esperamos, quem deve ser reconhecido pelos resultados e com quem celebrar esses resultados”, “como são e por quem deverão ser avaliados, como são e por quem deverão ser monitorizados”, entre outras questões desfiadas por um conjunto de profissionais que aceitaram partilhar o seu tempo e conhecimento com este grupo de pessoas que representam as pessoas afetadas por doenças raras em Portugal.

Regresso ao início: a idiotice poderá almejar ser inovadora? Talvez. Se conseguirmos produzir um documento suficientemente robusto a ser entregue às entidades competentes e monitorizado por todos nós, talvez. Uma coisa é certa, não necessitamos de um parapente nem coragem para o efeito. Apenas canetas, papel, portugueses com vontade e muita persistência. E talvez um dia possamos dizer que o conhecimento que estamos a produzir bebeu algum contributo deste Encontro, em novembro de 2023, em Lisboa.

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Paulo Gonçalves

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