José Nuno Pinto foi vereador no primeiro executivo da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira após o golpe militar. Passou a quinta-feira de 25 de Abril de 1974 “a jogar à bola” no Estádio Marcolino Castro, tendo sentido mais veemente a revolução nas manifestações de 1 de Maio. Alistar-se no PS foi a primeira ação que tomou
Membro do primeiro executivo camarário pós-25 de Abril, José Nuno Pinto viveu na primeira pessoa a Revolução dos Cravos, mas relata que aquela quinta-feira de 1974 quase passou despercebida à comunidade feirense, apontando que a manifestação de 1 de maio terá sido o momento mais ‘sentido’ pelo povo santamariano.
50 anos depois de um dos mais importantes momentos da nação lusitana, recorda que a vida dos portugueses e dos feirenses, no período antecessor à revolução, era “triste e cinzenta para aqueles que da vida tinham uma visão diferente” da PIDE e respetivos informadores: “censura prévia, partido único, vontade única”.
Com 34 anos à data, assegura que nunca suspeitou, nomeadamente em conversas – cuidadosas e até clandestinas – de café e de garagem, de que estava prestes a dar-se uma revolução em Portugal. “Embora a mudança fosse ansiada e a angústia sentida, não suspeitei antecipadamente do acontecimento”, garante, tal como a vasta maioria.
Quinta-feira, 25 de abril de 1974, 8h30. José Nuno Pinto entra ao serviço, enquanto caixa do Banco Pinto de Magalhães, quando um colega sussurra-lhe que tinha ouvido, de madrugada, através da rádio, que “alguma coisa fora do normal se estava a passar”. “É evidente que a tentativa frustrada das Caldas [golpe de Estado infrutífero ocorrido a 16 de março de 1974] tinha semeado a expectativa. Por volta das 11 horas, veio a ordem para fechar o banco e aí nasceu a esperança de um povo porvir”, prossegue.
Os trabalhadores do banco, devido ao gerente, Manuel Cunha Rodrigues, ser o presidente do Clube Desportivo Feirense à data, seguiram para o Estádio Marcolino Castro, imediatamente após o almoço, para “jogarem à bola”. Posteriormente, e com a noite caída, foi “colado à televisão” que José Nuno Pinto percebeu que conquistar a liberdade era possível, com “emoção e até lágrimas” à mistura. “Essa foi a ‘minha’ madrugada… Junta de Salvação Nacional, MFA, Capitães de Abril… alegria e alívio”.
Antes, durante o dia, o octogenário diz não ter “qualquer memória” das reações dos civis pelas ruas de Santa Maria da Feira, mas afirma que “verdadeiramente só se começou a ter uma noção exata do acontecimento no dia seguinte”.
Quanto a memórias que guarda dessa época, aponta não serem “nada em especial, além da esperança numa vida diferente, para melhor”. A revolução foi, para si, como a “passagem de uma noite escura para um dia de sol radioso”.
Outrora, tantas eram as restrições à liberdade individual e coletiva, devido à severa censura de que o povo era alvo, que José Nuno Pinto diz ser “difícil especificar”, mas destaca que uma das primeiras ações que teve após o golpe de Estado foi inscrever-se num partido político, “após uma vida inteira de um partido único, de má memória”.
Uma semana após a revolução, dão-se manifestações por todo o país, a 1 de maio, celebrado atualmente como o Dia do Trabalhador, tendo a afluência em Santa Maria da Feira sido apoteótica. O de José Nuno Pinto, porém, foi passado na cidade do Porto. “O meu 1 de Maio foi, verdadeiramente, o meu 25 de Abril. Foi vivido até à exaustão no Porto. Com os meus colegas do Sindicato dos Bancários do Norte, percorri as ruas da cidade em cortejo, tendo então a noção exata do que significa a palavra liberdade. Foi um dia memorável, um dos mais gratificantes da minha já longa jornada. Na Vila da Feira, ao que me relataram posteriormente, foi um dia de muita alegria, com Alcides Strecht Monteiro – referência maior deste Concelho ao regime deposto – a liderar”, partilha.
Enquanto descia a rua de Santo António, no Porto, deparou-se com uma secção do PS, na qual recolheu os formulários necessários para a sua inscrição enquanto militante, dando início à sua participação política. Aquando do seu regresso à então denominada Vila da Feira, imediatamente intentou criar uma secção local do partido, o que viria a acontecer somente a 5 de outubro, na habitação de Alcides Strecht Monteiro. “Lá estiveram também mais de cem feirenses que deram origem à secção do PS da Feira, cuja primeira sede esteve instalada no edifício do Correio da Feira, por gentiliza das suas proprietárias, a diretora Brígida e a administradora Maria Luísa, as ‘senhoras do Correio’, como eram carinhosamente tratadas”.
Nesse 5 de outubro, conta que entre os mais de cem fundadores encontravam-se Luís Abelha, Alberto Machado, Artur Brandão, Manuel José Sampaio, Augusto ‘Feirense’ ou Horácio Sá. “Tive o privilégio de ter sido o primeiro secretário-coordenador, e logo em dezembro, juntamente com Alcides Strecht Monteiro, Alberto Machado e Artur Brandão, delegado da secção ao 1.º Congresso do PS em liberdade, na Aula Magna da Universidade Nova de Lisboa”, conta, visivelmente orgulhoso.
Secção do partido criada, equipa formada e eleições autárquicas, as primeiras após o 25 de Abril, agendadas. Um sufrágio que ditou a eleição de José Nuno Pinto enquanto vereador socialista da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, que ocorreu “sem qualquer perturbação” e cuja primeira ação do executivo liderado pelo social-democrata Aurélio Pinheiro foi debruçar-se sobre o Plano Diretor Municipal.
Um executivo composto por políticos do PPD/PSD, CDS-PP e PS, que até trabalharam proficuamente entre si, mas não sem “altos e baixos” e “momentos de agitação e de acalmia, naturais naquelas circunstâncias”. Ter um papel ativo no período de transição, da ditadura para a democracia, é algo que enche José Nuno Pinto de orgulho, tornando-o numa referência para as gerações que se seguiram. “Sempre me norteou o sentido de ser útil, dentro das minhas capacidades, ao país, ao Concelho e ao PS, o que consagra a qualidade de ser democrata de corpo inteiro, procurando ‘dar de mim sem pensar em mim’, como preconiza o princípio rotariano”, elenca.
Anos de participação ativa na vida política e cívica do Município, primeiro como vereador e depois enquanto membro da Assembleia Municipal, mas o socialista assegura que procura, ainda nos dias de hoje, “participar modestamente, dando o exemplo”.
Em tom de conclusão, José Nuno Pinto fez questão de falar, “como homenagem”, de Celestino Portela, “um grande feirense que já não se encontra entre nós, então vereador do PPD”, com o qual viveu episódios que classifica como “relevantes, mormente na área da Cultura”, visíveis um pouco por todo o Concelho. “Quedo-me por aqui, desafiando a curiosidade dos feirenses para estudarem o currículo deste grande feirense”.
Não deixa de partilhar a história da criação das quatro repartições das Finanças em território municipal. “No início do mandato, a Direção de Finanças de Aveiro confrontou o executivo com a localização de uma segunda repartição no Concelho. O presidente Aurélio Pinheiro não deu conhecimento do facto, gerando-se um conflito com o vereador Portela, ao lado do qual me coloquei, mesmo sendo adversário político. Esta contenda provocou profunda alteração no xadrez camarário e culminou salomonicamente com a criação de quatro repartições: Lourosa, Lobão, Paços de Brandão e Feira”, detalha.
Por fim, considera como “momentos marcantes a visita do Presidente da República, Ramalhe Eanes, para a inauguração do Monumento a Fernando Pessoa, tendo estado o eminente escritor Miguel Torga e a sua filha, Clara Crabé Rocha”.