Êxodo dos Enfermeiros
Opinião Saúde

Êxodo dos Enfermeiros

Valter Amorim
Presidente do Conselho Diretivo da Secção Regional Centro da Ordem dos Enfermeiros

Passadas mais de quatro décadas, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) encontra-se no seu pior momento. Nunca esteve nesta situação de absoluta adversidade, em que todos sentem que pouco falta para desmoronar.

O SNS propiciou a prestação de cuidados de saúde de uma forma global, o acesso de todos a tais cuidados, independentemente do estrato social ou económico, a possibilidade de dispor de profissionais de saúde numa perspetiva universal e gratuita.

Indiscutivelmente, o SNS foi o que gerou maior impacto na vida dos portugueses, trazendo à sociedade uma verdadeira democracia, sua principal conquista. Mas o garante do sucesso ao longo destas mais de quatro décadas foram os seus profissionais, que sempre vestiram a camisola e foram dando o melhor de si.

Nos últimos anos, foram postos à prova como nunca tinha acontecido. No entanto, ao longo das últimas dezenas de anos, foram deixados ao abandono, desrespeitados e desvalorizados.

O desinvestimento no SNS conduziu a que estes profissionais perdessem a esperança em verdadeiras mudanças, investimento, em particular, que lhes reconhecessem a importância que mereciam, dignificando-os e valorizando-os.

Nunca tal aconteceu tendo por resultado um êxodo maciço para outras latitudes, nações que encontram-se a realizar agressivas campanhas de cativação e fixação de profissionais, fazendo sangrar o SNS, correndo-se o risco de não se conseguir estancar essa hemorragia.

Relativamente aos enfermeiros, o êxodo verifica-se há uma década e meia, totalizando mais de 27 mil emigrados a espalhar a magia dos seus cuidados, competências de excelência e diferenciação única, sendo reconhecidos como dos melhores do mundo.

Há uma semana, a Ordem dos Enfermeiros divulgou os números de 2023, onde 1689 enfermeiros foram à procura da felicidade, da valorização e do reconhecimento das suas capacitações ímpares.

Sabendo nós que é um bem precioso, estes recursos humanos, numa altura de forte pressão sobre o SNS, onde se fala da falta de profissionais nos diferentes contextos, em particular nas urgências, não se compreende que se aceite beneplacitamente que isto seja uma normalidade vigente e ninguém reconheça a emergência de fazer algo para fixar e cativar os enfermeiros portugueses no país.

Nesta fase pré-eleitoral questiona-se quais as estratégias que os diferentes candidatos têm relativamente a este problema, mas até agora é um deserto.

Dos cerca de 2900 enfermeiros formados, perto de 60% emigra, algumas centenas deixam o SNS para o setor privado e outras deixam a profissão por não verem futuro, acrescentando as centenas de saídas para a reforma, situação que nos próximos anos sofrerá um aumento significativo. Se já não se conseguem compensar as saídas, o futuro apresenta-se negro, colocando em risco o próprio SNS.

Será que só quando aí se chegar teremos os partidos e os políticos a lembrarem-se dos enfermeiros e do SNS? Aí já será tarde de mais…

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