Emídio Sousa – o passo em frente 
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Emídio Sousa – o passo em frente 

Com quase 64 anos e 20 deles dedicados à atividade política direta na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Emídio Sousa poderia estar já a preparar os seus aposentos para a merecida reforma mas opta pela continuidade e pela vontade na progressão da causa pública. 

É invejável o seu percurso e os diferentes cargos que ocupou até à presente data. Por muito que idealizemos a elasticidade do tempo, é de enaltecer a sua dedicação à causa pública porque também nós lidamos diariamente com o tic-tac diário que nos impossibilita de estarmos presentes em todos os lugares e em simultâneo. Podemos nem todos gostar da sua forma de ser, podemos discordar de algumas das suas opções, podemos interrogar algumas das suas escolhas, mas ninguém lhe nega o esforço e a entrega. 

Todos estes cargos exigem responsabilidade e muito tempo. Tempo que lhe é subtraído da familia. Consigo imaginar os milhares de momentos de solidão e de falta que a sua família terá sentido. Consigo imaginar os vários episódios que perdeu por estar noutros lugares. Consigo entender que a sua família teve de ultrapassar muitos desafios pela figura pouco presente que Emídio tenha sido ao longo destes tempos. Deixa de ter privacidade, a sua vida é totalmente escrutinada e todos sabem um pouco sobre si, seja verdade ou mentira. 

Podemos contestar a sua decisão de ter parado o seu último mandato como presidente de Câmara mas, no fundo, conseguimos compreender a sua vontade. É legítima e verdadeira. Fica a pergunta: Como agiriamos no seu lugar? Politicamente pode alegar que tentará dar um novo reforço a todos os dossiers do concelho que estão a marinar nas gavetas do Governo central mas sabemos que a sua ambição pessoal é a progressão neste percurso político porque também sabe que leva na algibeira muita experiência e conhecimento adquirido ao longo deste percurso. 

Poderia dar por terminada a sua carreira política, poderia usufruir da sua reforma vitalícia, poderia dar nova atenção à sua família, mas opta pelo passo em frente. Se optasse por terminar o seu mandato, quase certo que a sua carreira política teria um fim próximo. Mesmo com as próximas eleições legislativas, já não estaria em condições políticas para estar na linha da frente. O seu nome seria substituído e cairia na gaveta do esquecimento. 

A sua decisão certamente não terá sido fácil porque o timing não coincidiu com o pressuposto inicial. Teve de optar entre terminar o seu último mandato como presidente de Câmara ou seguir em frente com as suas ambições pessoais e políticas. Acredito que o facto de ter plena confiança no seu executivo e no andamento dos diversos dossiers, tenham sido fatores preponderantes e até de um certo descanso pessoal, porque considera que a continuidade está assegurada. 

Mas porquê ele? Porque não alguém mais novo? Porque não alguém sem cargos de relevo? Porque fez o seu trabalho. Não se limitou a tirar umas selfies para as redes sociais, não se limitou a estar apenas na oposição, não se agarrou a uma cadeira só para ver a banda passar. Fez o seu percurso profissional, trabalhou na sua premissa política e contribuiu ativamente para o desenvolvimento do seu concelho. 

A nossa cultura trabalhista de outrora dizia-nos que quando se nascia pobre morreria-se igualmente pobre. O novo mercado de trabalho diz-nos precisamente o contrário. Se trabalhas e procuras ambições profissionais e melhor qualidade de vida, procura um lugar que te satisfaça e que te leve onde almejas chegar. Não devemos parar de sonhar só porque nos invejam as asas. É lícito poder ambicionar se temos a convicção que poderemos ser bem sucedidos. 

Pode o seu eleitorado ficar desacreditado e deixar de considerar o seu legado? Seria desconsiderar 20 anos de dedicação. Seria anular um percurso ativo apenas por uma decisão a 1 ano da meta. Se alegam abandono é porque consideram que alguma coisa positiva lhes deixaram. Se têm essa percepção é porque, no fundo, entendem as suas razões mas sentem-se de alguma forma defraudados pela falta de continuidade. 

Posso ter tido as minhas divergências, posso ter sofrido na pele alguns arrufos, posso não ter concordado com todos os seus passos e decisões, mas reconheço-lhe a legitimidade da sua ambição e o mérito pela sua escolha. 

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Tiago Afonso

contributor
Violinista e professor
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