[ABRIL Entre Parêntesis] Uns e Outros nas Faldas do Império Ilusionário
50 Anos do 25 de Abril

[ABRIL Entre Parêntesis] Uns e Outros nas Faldas do Império Ilusionário

[Foi verdadeiramente extraordinário a mansidão com que, ao longo de décadas, milhões de portugueses foram aceitando, individual e colectivamente, a prática quotidiana de atropelo à liberdade e, até, aos mais elementares direitos cívicos, numa atitude generalizadamente pautada pelas docilidade e submissão insanas.

Só esse desígnio fatalista, paradoxalmente incompreensível no que respeita à dimensão do absurdo, poderá, em parte, explicar que – ao longo de quase cinco décadas – milhões de portugueses tenham contribuído voluntária e/ou involuntariamente para a manutenção do regime ditatorial fascista e para a sustentação do ideário do Império. Uns, pela acção comprometida; Outros – a esmagadora maioria – por serena subserviência.

Salazar e seus ideólogos sempre souberam que a ignorância dos governados era um dos pilares mais decisivos para a sustentação do regime. Daí que, em Portugal, a doutrinação primária, assente na glorificação do Império, sempre tenha recolhido credulidade junto de uma população mantida desinformada e, por isso, amorfa e diligentemente instruída para aceitar cegamente os dogmas ditatoriais.

Na demanda da manutenção da alegada legítima posse dos territórios do Império (as ex-Colónias, entenda-se), foram a obediência inquestionável e a generalizada confiança dos portugueses na visão infalível dos que comandavam a Pátria, que se revelaram como sendo das mais formidáveis ferramentas do argumentário salazarista. E a isso se juntando o doce conforto da omissão moral que embalava a quase generalidade das consciências. Na verdade, à parte a coragem admirável de um punhado de contestatários – que, a partir do estrangeiro, haveriam de lançar as sementes da Liberdade – o comportamento do cidadão-comum português pautava-se pela aceitação dos ditames estabelecidos e na obediência tão dócil quanto bafienta.

Mas era a manutenção da ignorância o seguro perene do regime. Por isso, desde o início da década de 60, foram muitos os jovens militares continentais que partiram para a guerra das colónias sinceramente convictos da legitimidade dos desígnios que a pátria lhes reservara, na alegada defesa intransigente das fronteiras portuguesas dos territórios de além-mar. E, levados na mesma falácia, foram ainda mais os colonos que se instalaram nos ‘Territórios Ultramarinos’, convencidos de que o faziam no âmbito do sacrossanto direito de povoar terras longínquas de Portugal. Também eles tão dóceis e crédulos quanto politicamente arredados da realidade.

Uns, militares e Outros, colonos, mas todos eles embalados nos mesmos braços da credulidade absurda, deram a Portugal o melhor de si (tantos, a vida…) em nome de uma falsa premissa. Ingenuamente, deixaram-se utilizar como instrumentos de garantia de mais uns quinhões de lucro nos bolsos dos colonialistas; esses, os que jogaram a vida de Uns e Outros no tabuleiro das estratégias dos senhores do império carunchoso.

Acoitados no manto da cega submissão e alimentados do fervor nacionalista, Uns e Outros vogaram no argumentário da miragem patriótica, enfunados pelo ideário fascizante que propalava o delírio do ‘Portugal Multirracial’, essa mirífica entidade que se estendia da Europa até à Oceânia. Muitos desses Uns e Outros, acreditaram piamente pertencer a um conglomerado de ‘Muitas Raças – (n)Uma Só Nação’.

Mas a Uns e a Outros a Pátria lusa usou e abandonou na demanda, a todos sacrificando nos estertores de antes e depois de Abril, deixados resvalar para o abismo, nas faldas de um império ilusionário. Unse Outros irremediavelmente hipotecados aos rodapés da História, sem direito a redenção…

E, 50 anos passados sobre a madrugada de todas as madrugadas, ainda à espera que Abril se cumpra; e cada vez mais à mercê dos esbirros que despertam…].

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